Vocês ganharam, eu perdi.
Ontem tive a alegria de rever meus amigos da 7a convocação. Saímos da Academia de Polícia Sílvio Terra e fomos empossados como Detetives da Polícia Civil.
Lá se foram 30 anos - 1987 / 2017.
Incrível rever os colegas de sala e outros de outras salas, desse tempo em que estudamos e treinamos juntos para exercer esse trabalho de cuidar, servir e proteger essa sociedade, que em grande parte é tão injusta e ingrata.
Fizemos o melhor mesmo tendo parte da mídia a nos perseguir a nos julgar exigindo o rigor das leis, com regras de tempos de paz, enquanto vivemos tempos de guerra.
E vamos nos alegrando com trabalhos bem feitos, por ter tirado de circulação gente má e cruel e vamos nos desanimando ao ter que prender o mesmo sujeito, outra , outra e outra vez, o que também nos faz refletir sobre o lado em que a justiça está.
Prender quem atirou em nós, uma, outra e outra vez, nos faz pensar se é razoável continuar prendendo, pois é óbvio que uma hora ele, quando solto, vai acertar e nós perderemos nossa vida e deixaremos nossa família em más condições financeiras e psicológicas, sem qualquer apoio do estado e da polícia.
Nossa chance é de se tornar mais um número nessa estatística sombria.
Completar 30 anos, então, é motivo de comemoração, pois somos sobreviventes e é sinal de que temos sorte.
Infelizmente a segurança que demos aos outros, nós não pudemos dar à nossa família e nem temos direito para nós mesmos.
Assim acabei expulso da minha casa na Freguesia, pois traficantes de drogas da Cidade de Deus expandiram seus domínios até a minha rua na Freguesia e diante do fracasso da UPPs, bandidos se instalaram e com suas armas importadas, como os poderosos AK 47, mantém a polícia afastada.
Eu fui expulso, mas minha mãe que se recusou a mudar, afinal moramos lá por 25 anos. Ela ficou e nunca mais pude visitá-la, pois meus filhos e depois ela mesmo me proibiram de ir lá, ao perceber o risco.
Assim, além de abandonar minha casa, minha academia que construí no segundo andar, minhas árvores frutíferas que plantei ao longo das décadas, nem minha mãe pude mais visitar.
Como ela andava adoentada e aos 76 anos precisava de suporte, meu filho passou a atender a avó.
Infelizmente a ameaça passou de mim para a família.
Minha mãe que havia sido internada, ao sair do CTI e ir para o quarto do hospital, pediu que meu filho e meu irmão pegassem umas roupas para ela.
Apesar de ser no período da tarde, os traficantes já estavam tomando o território e instalando o terror, apontando armas para moradores e mandando que motoristas dirigissem os veículos com pisca alerta ligados.
Meu irmão chegou e não viu os bandidos que estavam na esquina, mas foi alertado por meu filho que mostrou os bandidos.
Meu irmão pegou as coisas de minha mãe e fugiu do local.
Meu filho chamou a namorada para subir na moto e também sair, mas antes de sair foi olhar a área e viu três traficantes de pistola na mão se aproximando da casa.
Ele se abaixou atrás do muro e pode ouvir os traficantes falando: "O FDP do filho do polícia está aí. Ele deve estar armando alguma. Vamos chamar o pessoal."
Meu filho apavorado me ligou dizendo o ocorrido e eu me apavorei também.
Eu havia acabado de doar sangue, pois minha mãe precisará receber duas bolsas, e já estava no quarto com ela.
Avisei a ele para ficar calmo que estava voando para casa para buscá-lo.
Não estou mais na ativa, me aposentei há 3 anos. Ao entrar com o pedido de aposentadoria a primeira coisa que a PCERJ exige é que o policial devolva suas armas e seu distintivo. Assim tive que devolver o revólver 38 (Moreirinha) que tinha desde os fins dos anos 80, a pistola calibre 40 da Taurus que tinha desde os fins dos anos 90, e as outra duas pistolas calibre 40 da Imbel, da CORE, que tinha desde os fins dos anos 2000.
Depois de quase 28 anos de polícia, os 12 últimos trabalhando exclusivamente em combates com crime, e criminosos, na CORE, no Setor de Apoio Policial, a polícia me desarma e me deixa por conta própria sem qualquer facilidade para adquirir outra arma.
Me tiram também o colete a prova de balas, mesmo sabendo que a legislação não permite que eu compre um.
E agora?
Como vou socorrer a família?
Pedir ajuda aos irmãos da PMERJ.
Assim, após a ligação de meu filho, larguei minha mãe no hospital e corri para a moto já ligando para 190.
Quando subia na moto recebi um telefonema de alguém se identificando com policial militar me informando que não seria possível entrar na Rua Quintanilha, pois haviam muitos homens armados e a bala ia voar.
Eu respondi que ia entrar com ou sem apoio deles, pois meu filho estava lá e minha casa cercada.
Ele então me respondeu que ia ver o que poderia fazer.
Parei na casa de um amigo que me emprestou sua pistola calibre 40 e mais 2 carregadores sobressalentes, peguei o carro da minha mulher e liguei para meu dizendo que estava a 5 minutos e dando instruções do que fazer caso os bandidos conseguissem arrombar a porta de entrada da garagem e que ele me mantivesse informado, pois estava perto.
Em 2 minutos cheguei na esquina de casa onde vi duas viaturas e 7 Policiais Militares fora das viaturas com fuzis nas bandoleiras, como que prontos para a ação.
Parei o carro e disse que estava entrando. Me pediram para aguardar.
Encostei o carro, liguei e avisei a meu filho para ficar tranquilo, que eu estava a um minuto de casa e na companhia de 7 PMs bem armados. Que era para ele pegar tudo que tivesse de valor, que quando eu chegasse era para jogar no carro, pois nunca mais ia voltar a pisar naquela rua, pois se antes eles (ele, a irmã e minha mãe) haviam me proibido de ir naquela rua, agora quem os proibia era eu.
Ao perguntar ao colega Policial Militar o que estava havendo, um deles se aproximou e me aconselhou a ligar 190 de novo, pois os comandantes não estavam autorizando a entrada, pois o confronto era certo.
Lamentável ver que comandantes se comportam como políticos que preferem ver um filho de um policial ser massacrado do que entrar em conflito com bandidos e ter que suportar a pressão da mídia e de parte da comunidade, sempre pronta para obedecer os líderes do tráfico e promover arrastões e fechamento de importantes vias.
Eu liguei 190 e ao reclamar, a atendente disse que se eu já estava com os policiais, porque estava ligando?
Eu respondi que apesar deles quererem me apoiar, eles não podiam, pois não tinham ordem. Perguntei se estava sendo gravado e que eu ia entrar mesmo sem apoio e a responsabilidade seria deles.
Após segundos em silêncio, ela me respondeu que a supervisão estava a caminho.
E chega outra viatura com mais 2 policiais e outra com outros dois policiais, um dos quais o supervisor.
Fui falar com ele que me pediu para esperar, que vinha mais reforço, pois os traficantes estavam com fuzis. E fez novo contato com a PMERJ, enquanto eu fazia com meu filho.
Ao acabar de falar no telefone, perguntei ao sargento o que faltava tendo ele me dito que mais homens estavam a caminho..
Olhei para o celular e verifiquei que desde a minha primeira chamada para 190 até aquele momento, já havia passado quase 40 minutos, minutos de agonia, de medo e de desespero.
Liguei para meu filho e pedi que ele olhasse a localização dos traficantes.
Ele foi, viu e me respondeu que estavam a uns 50 metros de casa em direção a Rua Ignácio do Amaral, ou seja do lado contrário ao que eu iria chegar.
Lhe disse para se preparar para abrir o portão que eu estava indo.
Desliguei o celular e me virei para o sargento e de dedo polegar para cima, avisei que estava entrando.
Enquanto ele me pedia para esperar, eu agradecia aos policiais, pois sei que se dependesse deles, já teriam tirado meu filho de lá.
Avisei ao sargento que já havia esperado demais e não iria esperar mais nada.
Liguei o carro e sai enquanto os policiais militares me seguiam a pé.
De carro cheguei uns 30 / 40 segundos na frente.
Enquanto meu filho abria o portão, eu manobrava o carro para entrar na garagem de ré.
Os bandidos ao me verem abriram fogo. Eu sem enfiar o carro na garagem, desembarquei e comecei a trocar tiros com os traficantes.
Acho que isso fez com que policiais corressem e mesmo a distância me apoiaram na troca de tiros.
Ao ouvir o barulho dos tiros de fuzil, sabia que a cavalaria havia chegado em meu socorro. Embarquei no carro e coloquei na garagem. Disse a meu filho para jogar tudo dele dentro do carro, corri para subir no muro e voltei a atirar nos traficantes. Os bandidos ao ver que eram mais de 10 policiais, a maioria com fuzis, resolveram correr fugindo pela rua Cunha Pedrosa.
Os policiais ficaram em frente a minha casa, meu filho e a namorada subiram na moto e saíram, uma vez que o tiroteio havia cessado. Eu tirei o carro, tranquei o portão, agradeci de novo aos colegas e parti.
No dia seguinte fui visitar minha família da CORE e pedir ajuda para tirar as coisas de valor da casa da minha mãe.
As 14 horas com 4 carros e apoio da CORE, tiramos as coisas mais valiosas da minha mãe.
Na sexta feira pedi apoio novamente para fazer a mudança dos móveis dela, pois minha casa já estava vazia.
Senti uma tristeza profunda de ver minha mãe saindo da casa que construiu com esforço e dedicação, a casa que ficava na parte alta do mesmo terreno em que ficava a minha, que ela cedeu para que eu morasse com minha família e criasse meus filhos. Fiz a casa do jeito que queria, com academia de ginástica, com árvores frutíferas e por 25 anos fui feliz, até ser expuldo.
E minha mãe idosa, aos 76 anos, ter que sair, por que seu filho quis ser policial, fazer o bem e servir a sociedade, me faz sentir um gosto amargo de derrota.
Parabéns aos bandidos, aos que defendem esse fascínoras, aos que julgam a favor desses malditos, dos que usam cargos políticos para gritar pelos maus, pelos perversos.
Vocês ganharam, eu perdi.
Theo Azambuja
Inspetor de Polícia.
Aldeni Soares Silva
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